terça-feira, 15 de setembro de 2009

Advogada cega briga para entrar com seu cão-guia no TJ do Rio

Consultor Jurídico, sábado, dia 5 de setembro de 2009.

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Advogada cega briga para entrar com cão no TJ-RJ

Cega há três anos, a advogada Deborah Prates (na foto à direita) trava
uma disputa com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para poder andar
livremente pelo prédio com o auxílio do seu cão-guia. Recentemente, o
presidente da corte, desembargador Luiz Zveiter, proibiu a entrada de
cachorros no prédio. A advogada reclamou e conseguiu o direito de entrar
no local com o seu cão, mas só escoltada por policiais. Ela ainda não
está satisfeita e afirma que, se a restrição continuar, vai recorrer ao
Superior Tribunal de Justiça.

A entrada de cães-guia em lugares públicos ou privados de uso coletivo é
garantida pela Lei 11.126/05. A norma pune com multa quem impede a
entrada dos cegos e seus cachorros.

Deborah encaminhou uma petição ao presidente do TJ-RJ para que ele
voltasse atrás em sua decisão. Sem sucesso, ela decidiu levar a imprensa
carioca para acompanhá-la ao tribunal. Mesmo com a presença de dois
repórteres e um fotógrafo, ela foi impedida de passar da recepção e os
seguranças chegaram a isolar a área onde ela estava.

Depois da publicação de reportagens sobre a história, o presidente do TJ
do Rio decidiu liberar a entrada de Deborah com seu cão, porém com a
escolta de policiais, por um período de experiência. "Nós lutamos muito
pela lei do cão-guia e não podemos deixar isso acontecer. Se a Justiça
não cumpre a lei, isso pode abrir brecha para qualquer estabelecimento
começar a proibir também. Se o seu Manoel do botequim não me deixasse
entrar, qualquer juiz multaria o local", reclama a advogada.

Deborah já encaminhou carta ao órgão responsável em aplicar a multa ao
tribunal - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (Corde), órgão do Ministério da Justiça - e aguarda retorno.
Ela recebeu a informação por colegas de que há funcionários cegos que
utilizam o cão-guia no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, e no
Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

A assessoria de imprensa do TJ-RJ disse que o problema já está resolvido
desde segunda-feira (30/8) e que não tinha informações de que a advogada
estaria sendo escoltada por policiais. O tribunal conta que há apenas
uma equipe especializada para atender deficientes visuais. Deborah
Prates, no entanto, rebateu a afirmação do tribunal, reafirmando que o
problema ainda não está solucionado. "Eu não posso trabalhar com dois
policiais atrás de mim."

O dia do não -

Deborah conta que há dois anos entra normalmente no TJ do Rio com seu
cão-guia. "Eu não tive problemas nem para trazê-lo dos Estados Unidos.
Ele veio no avião comigo, no banco do passageiro." Ela só passou a ter
problemas com a nova administração do tribunal quando uma equipe de
televisão a convidou a participar de uma reportagem sobre a rotina de um
deficiente visual, no dia 25 de agosto. A equipe de reportagem não foi
barrada, mas a assessoria de imprensa do tribunal a avisou que o
cachorro não poderia entrar.

"A partir deste dia, não pude mais entrar no tribunal com meu cão-guia,
que é totalmente regular e registrado", explica a advogada, que fez
curso para aprender a conduzir o animal. "A Lei federal 11.126/05
garante que eu entre e permaneça em qualquer lugar, inclusive entre e
saia de qualquer aeroporto e avião com o cachorro. Um manual de portaria
jamais vai revogar uma lei", reclama. "É a mesma coisa que o presidente
pedir a um transplantado que deixe seu órgão na recepção antes de
entrar."

Durante o contato com assessores e outros funcionários do tribunal,
Deborah conta que teve sempre a mesma resposta: havia uma equipe
treinada para acompanhá-la dentro do tribunal. Ela conta que o assessor
de imprensa alegou que a proibição da entrada de cachorros é válida
porque algumas pessoas têm fobia de animais.

Deborah afirma que chegou a conversar com o presidente do TJ, Luiz
Zveiter, e ele manteve a posição, argumentando que se trata de um local
de grande circulação, frequentado por 30 mil pessoas, e que o animal
poderia causar problemas. Segundo ela, o presidente alegou que o
cachorro não conseguiria encaminhá-la até a 24ª Vara Civil, por exemplo.

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Margarida
Pressburger , disse que teve conhecimento do caso pela imprensa, mas não
foi procurada pela advogada. Caso isso aconteça, vai interceder para que
Deborah e o TJ cheguem a um entendimento. "O que posso afirmar é que o
desembargador pode ter decidido pela escolta temendo que transeuntes do
tribunal fiquem com medo do cão, mas se ela se sente desconfortável com
a situação, é possível negociar diretamente com o presidente."

Margarida Pressburger cita como exemplo um caso que vivenciou com a
atriz Danieli Haloten em um teatro. A atriz global é cega desde os 17
anos. "Ela entrou com seu cão-guia no teatro e logo outros expectadores
reclamaram da presença do cão. Vendo a cena, eu expliquei aos presentes
que se tratava de uma lei e que este tipo de animal é totalmente
treinado para fazer seu papel de guia. O cão são os próprios olhos da
pessoa, mas há muitas pessoas mal informadas que não sabem que se
trata-se de um animal dócil e treinado."


Fabiana Schiavon é repórter da revista Consultor Jurídico

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