quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Como os cegos diferenciam as notas de dinheiro?

As cédulas de real apresentam diferenças perceptíveis no tato apenas quando
estão novas. O Banco Central deve adotar modelo estrangeiro para que os
cegos consigam identificar melhor os valores. O braile não é uma opção
viável

Laura Lopes

Real As notas apresentam apenas marcas de relevoEm qualquer lugar do mundo é
possível reconhecer o valor das notas de dinheiro. Seja na Índia, na China
ou nos Estados Unidos, e nem precisa saber a língua nativa, nem mesmo ser
alfabetizado. Só há uma exceção para essa regra: os deficientes
audiovisuais. Como eles contam dinheiro? Aqui no Brasil, as moedas da
segunda família (a segunda geração de moedas de real) possuem tamanhos e
espessuras diferentes, algumas são serrilhadas nas bordas, justamente para
serem diferenciadas por meio do tato. Já as cédulas têm marcas de relevo que
se perdem com o uso. "Essas marcas são pouco perceptíveis, principalmente
para os mais idosos. E, com o tempo, as notas vão perdendo o relevo", diz
Regina Fátima Caldeira de Oliveira, deficiente visual e coordenadora da
Revisão dos Livros Braille da Fundação Dorina Nowill, de São Paulo.


Euro Cada valor tem um tamanho diferente, obedecendo à regra de quanto maior
o valor, maior o tamanho. A nota também apresenta marcas táteis em relevo A
primeira solução que vem à cabeça é a inserção de caracteres em braile nas
notas. Essa, no entanto, é uma saída pouco útil: o braile sairia com o
desgaste das cédulas, assim como acontece com as marcas de relevo atuais.
"Além disso, o braile é lido por muitas pessoas cegas, mas não por todas. A
gente não quer braile nas notas", afirma Regina, que participou de reuniões
com o Banco Central e a Casa da Moeda, junto a entidades representativas dos
deficientes visuais do país, para encontrar uma solução viável e prática
para o problema. O BC comunga a opinião da Fundação Dorina. Segundo João
Sidney, do chefe do departamento de Meio Circulante, "a tecnologia de
impressão não tem sobrevida. Na terceira manipulação da nota, o braile já
acaba".

Apesar da concordância, pouca gente sabe que o braile não é o melhor caminho
a seguir. No dia 27 de outubro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
encaminhou um ofício à Casa da Moeda solicitando informações sobre a
viabilidade técnica para implantação desse sistema de leitura nas cédulas e
moedas do país. A proposta, feita pelo conselheiro do Amazonas Edson de
Oliveira, tem a melhor das boas intenções, em defesa dos direitos dos cegos,
já que os mesmos não têm acesso à leitura das notas. Mas não funciona. "Há
quem faça isso para melhorar e ajudar, mas devia falar com pessoas que lidam
com o problema diriamente e que podem ter a melhor proposta", diz Regina.


Austrália As notas têm tamanhos diferentes e são reconhecidas por meio de um
gabaritoEntre as propostas sugeridas nas reuniões entre as entidades e o
governo, a que mais agrada Regina é o modelo adotado na Austrália e nos
países que fazem parte da comunidade Européia (e usam o euro). Lá, as notas
possuem tamanhos diferentes, crescendo à medida que o valor aumenta. O
portador de deficiência visual recebe uma espécie de gabarito que indica o
valor da nota, em braile. Ao colocar a nota dentro desse gabarito, sua ponta
vai cair sobre o valor correspondente a ela. Serve mais para quem ainda não
decorou o tamanho das notas ou não está acostumado àquela moeda.


Canadá Além das notas terem furinhos arranjados de formas diferentes para
cada valor (à dir.), um aparelhinho lê a nota e emite um sinal diferente
para cada valor, por meio de voz, som ou vibração Na opinião do BC, no
entanto, o modelo canadense é que deve vigorar no Brasil. Segundo o chefe do
departamento de Meio Circulante do Banco Central, não é necessário mexer no
design ou tamanho do dinheiro. "O Canadá insere nas notas uma tinta
invisível diferente para cada valor e distribui um aparelhinho subsidado que
reconhece o magnetismo da tinta e emite um sinal para cada valor", afirma
João Sidney. Trata-se de um aparelho pequeno, que pode ser levado no bolso e
distribuído gratuitamente pelo Canadian National Institute for the Blind.
Sobre o gabarito, adotado pelos australianos e europeus, Sidney diz que não
é a melhor solução e, como o reconhecimento é feito pelo tato, pode levar a
erros de interpretação. "Eu apostaria nessa tecnologia sonora", diz. Só não
se sabe quando ela entrará em vigor.

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