sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O contexto e o contestar - Manuel Aguiar

Em novembro de 2005, a OEA declarou o período de 2006 a 2016 como a
Década das Américas das Pessoas com Deficiência, cujo lema, Igualdade,
dignidade e participação, remete à luta pelos direitos das pessoas com
"deficiência". O objetivo da OEA era dar visibilidade ao tema,
fortalecer a vontade política dos governos para a questão, atrair
recursos humanos, técnicos e econômicos para a cooperação, além de
propiciar ações regionais harmônicas e integradas, com ênfase no
desenvolvimento inclusivo para o êxito de mudanças substanciais a favor
de uma melhoria da qualidade de vida da pessoa com "deficiência".
Em dezembro de 2006, a ONU homologou a Convenção sobre os direitos das
pessoas com deficiência. Em seu bojo estabelece como propósito, em seu
art. 1º, "promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo
de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais e o respeito pela
inerente dignidade de todas as pessoas com deficiência". Também em seu
art. 1º, reconceitua a condição de "deficiência": "Pessoas com
deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as
demais pessoas."
Com esta conceituação, a convenção desmistifica mitos, desconstrói a
interpretação clínica, na qual a deficiência era entendida como uma
incapacidade que impedia as pessoas de exercerem seus direitos e
deveres. O cidadão com especificidade passa a contar tanto com um
suporte legal internacional como, principalmente, com um arcabouço
ideológico que o torna uma pessoa partícipe e artífice de seu destino e
da coletividade em que vive.
Como assevera o procurador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, "as
deficiências físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais passam a ser
consideradas atributos das pessoas, atributos esses que podem ou não
gerar restrições para o exercício dos direitos, dependendo das barreiras
sociais ou culturais que se imponham aos cidadãos (...). O que
possibilita afirmar-se que a deficiência é a combinação de atributos
pessoais com impedimentos culturais, econômicos e sociais. Desloca-se a
questão do âmbito do individuo com deficiência para a sociedade que
passa a assumir a deficiência como problema de todos." A convenção, com
esse novo conceito, perpassa a forma como lhes são garantidos o usufruto
dos direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais. Em seu
texto, a Constituição de 1988, deficiência é referenciada em 11 artigos.
Pela vez primeira passou a ter garantido, o direito à educação,
habilitação e reabilitação, à reservas de vagas para trabalho, à
assistência social, à moradias populares adaptadas, à acessibilidade a
prédios e à transportes públicos. Para regulamentar estes direitos
constitucionais, foram concebidas leis e decretos. Em julho deste ano,
foi promulgado o decreto legislativo que ratifica a convenção da ONU e
seu protocolo facultativo sobre os direitos das pessoas com deficiência,
alçando-a a condição de Emenda Constitucional, portanto, com força de
lei.
Por consequência, toda legislação a partir de agora deverá se adequar
para atender aos conceitos e princípios ali estabelecidos.
E então? Se temos o arcabouço jurídico mais atual entre as Américas para
as pessoas com deficiência, Se acabamos de agregar a este conjunto legal
à mais moderna legislação internacional sobre o assunto, por que a
maioria das pessoas com "deficiência" do Brasil está impossibilitada de
usufruir, de fato, dos direitos definidos por estes instrumentos legais?
se há no Brasil cerca de 25 milhões – em Pernambuco são 1,4 milhão de
pessoas com "deficiência" –, por que estas pessoas não são vistas no
nosso cotidiano? Por que são ainda tão insignificantes suas presenças na
escola, no trabalho, no transporte público, nas ruas, nos espaços de
lazer e cultura? Enfim, por que não estão incluídas na sociedade – como
lhes garantem a lei – usufruindo, como todos, dos bens e serviços
produzidos e disponibilizados para a coletividade? Se quisermos mudar
esta realidade, faz-se necessário identificar e remover barreiras
físicas, político-culturais, socioeconômicas e atitudinais.
E se, realmente, desejamos mudar este contexto é indispensável que cada
um em seu âmbito de atuação comece a repensar atitudes e posturas para,
de imediato, disponibilizar e concretizar seus efeitos e produzir as
ações asseguradas em leis. O que ocasionará, sem dúvida, uma convivência
desprovida dos preconceitos, viabilizadora de oportunidades reais para
uma plena inclusão social.

» Manuel Aguiar é procurador regional do Ministério Público do Trabalho,
Ph.D em direito do trabalho pela Universidade Federal do Paraná

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