terça-feira, 3 de novembro de 2009

livro digital






O Brasil na rota do KindleLeitor eletrônico da Amazon começa a ser vendido
no Brasil a partir da próxima semana. O lançamento global do produto é o maior salto do livro digital


Carlos Rydlewski

Livraria ambulante
O aparelho custará 1 016 reais no Brasil. Tem memória para 1 500 livros, baixados pela rede 3G. Cada download leva sessenta segundos

VEJA TAMBÉM
• Quadro: *À semelhança do
papel*
• Nesta edição: *"Criamos um
best-seller"*

Antes que nos lancemos às especulações sobre o futuro do livro digital é
preciso fazer um exercício que se tornou clássico. Esse exercício analisa o
livro comum impresso em papel do ponto de vista do mais exigente usuário do
universo. Ele diria que se trata de um produto que funciona sem bateria,
dispensa o manual do usuário, suporta quedas, é barato e pode ser
substituído a um custo mínimo. É, portanto, uma invenção tecnologicamente
perfeita. Não por acaso, atravessou mais de quinhentos anos de história como
o mais simples e prático instrumento para o registro e a transmissão de
ideias. Mas, mesmo com todas essas imbatíveis características, o livro
evolui. A cara mais conhecida dessa evolução, que começa a ser vendida aos
brasileiros na próxima semana, é o Kindle, da Amazon, um leitor digital de
textos que já vendeu mais de 1 milhão de unidades nos Estados Unidos. O
Kindle, cujo nome deriva dos verbos acender e iluminar em inglês, passará a
ser vendido em 99 países, além do Brasil. Tecnicamente é um "e-reader", ou
leitor eletrônico. Seu fabricante, a Amazon, é um gigante do comércio
varejista na web. Ela é maior do que seus três principais concorrentes
somados. A versão que chega ao Brasil custará 279 dólares e só poderá ser
comprada no site da Amazon. Acrescidos os impostos de importação e frete,
chega-se a uma conta final equivalente em moeda brasileira a 585 dólares – 1
016 reais na sexta-feira passada. "Estamos animadíssimos. Não sabemos quanto
nossas vendas aumentarão, mas nosso alvo imediato são os 90 milhões de
consumidores da amazon.com que já temos espalhados pelo mundo. Esse é um
número considerável", disse a VEJA Jeff Bezos, o presidente e fundador da
superloja virtual.

De posse do Kindle, o usuário brasileiro terá acesso sem fio ao estoque de
mais de 200.000 livros digitalizados à venda no site da Amazon. O aparelho
se conecta automaticamente a uma rede de telefonia celular 3G, a mais
rápida. Na ausência do sinal mais veloz, o Kindle se conecta pela segunda
melhor opção, o Edge. A ligação não é gratuita, mas seu custo está embutido
no preço do livro, que deverá ser pago com um cartão de crédito
internacional na transação eletrônica aferida pelo próprio site da Amazon. O
limite de tempo gasto para baixar o livro no Kindle é de sessenta segundos.
A estante digital da Amazon já oferece também revistas e jornais.
Adicionalmente, o usuário pode transferir para seu aparelho conectado a um
computador quaisquer arquivos gravados em PDF – a sigla de Portable Document
File –, um formato-padrão pré-instalado na imensa maioria dos PCs. Para
carregar arquivos de outros formatos, a Amazon oferece ao usuário um serviço
em que ele envia por e-mail para a empresa um documento qualquer e ela o
devolve com a formatação correta, para ser lido pelo Kindle. Para receber o
arquivo por e-mail e fazer a transferência para o leitor, o serviço é
gratuito. Quem desejar receber o arquivo pela rede 3G ou pelo Edge
diretamente no e-reader pagará uma taxa de pouco mais de 1 dólar.

A oferta de e-books, como são chamados em inglês os livros digitais
oferecidos via internet, cresce exponencialmente, o que é uma comodidade
para o usuário, mas uma grande preocupação para os editores brasileiros de
livros de papel *(veja
quadro
).* A Amazon lidera esse mercado, que avança rapidamente. Em setembro
passado, *O Símbolo Perdido,* o novo título de Dan Brown, autor do
best-seller *O Código Da Vinci,* foi lançado em formato digital e no
tradicional impresso. O digital vendeu mais do que o livro de papel. No
início do ano, as versões eletrônicas de livros representavam 13% dos
títulos comercializados pela Amazon. Em maio, esse número chegou a 35% e,
agora, passa dos 48%. Dados da Associação Americana de Editores (AAP)
corroboram o avanço. Indicam que as vendas de e-books somaram 20 milhões de
dólares em 2003, ante 113 milhões de dólares em 2008. O aumento nesse
período foi de 465%. Só no primeiro semestre de 2009, o crescimento foi de
150%. "Hoje, os e-books representam apenas 1% do mercado, mas não tenho
dúvida de que esse ritmo de crescimento vai incentivar todo o setor a
mergulhar nessa tecnologia", disse a VEJA Edward McCoyd, diretor da AAP, em
Nova York.

Entusiasmo semelhante percebe-se na produção de e-readers. Eles se
multiplicam – e se diversificam. A Amazon tem o Kindle internacional, com
tela de 15,2 centímetros, e o DX, vendido nos Estados Unidos, com monitor de
24,6 centímetros. O trunfo de ambos é a conexão wireless por rede 3G com a
imensa biblioteca virtual da empresa (nos Estados Unidos, são 350 000
títulos). A companhia não divulga números de vendas de seus produtos, mas
uma estimativa do analista Mark Mahaney, do Citigroup, mostra que foram
comercializados 500 000 Kindles em 2008. Neste ano, mesmo sem o avanço
internacional, devem dobrar. Em agosto, a Sony anunciou o lançamento de três
modelos numa só tacada. Dois deles têm tela sensível ao toque (touch
screen). A japonesa Fujitsu vende no Japão um e-reader com tela colorida. Os
problemas são o preço (mais de 1 000 dólares) e o reflexo que incide sobre o
monitor. Marcas como Samsung, Asus (que criou o primeiro netbook comercial),
Plastic Logic, iREX e até mesmo genéricos chineses também estão entrando
nesse ramo. Em 2009, devem ser vendidos 3 milhões de e-readers. Em 2014, tal
cota pode atingir a casa dos 30 milhões.

Há forte expectativa de que a Apple também lance um produto para a leitura
de livros, mas parecido com um tablet (computador com tela touch screen).
Steve Jobs tem desmentido com veemência tal possibilidade – o que, na
prática, não significa muito. Recentemente, os rumores sobre o novo produto
da empresa recrudesceram depois que a companhia registrou a patente número
20080204426, nos Estados Unidos, de um sistema que "simula uma página sendo
virada em uma tela a partir do movimento de um dedo", como num livro de
átomos. O Google é outro gigante firme nesse páreo. Ele não tem um produto,
mas 1,5 milhão de livros digitalizados. Detalhe: quer chegar a 5 milhões em
meados de 2010.

O problema dessa leva de concorrentes é a própria Amazon. Um dos poucos
sobreviventes da bolha da internet, que explodiu em 2000, a Amazon tem um
chefe, Bezos, obstinado e duríssimo na queda. Hoje, posicionou-se no mercado
editorial de maneira impressionante – e abrangente. Tem dois serviços, o
BookSurge e o CreateSpace, que permitem a impressão de títulos sob demanda e
auxiliam autores, cineastas e músicos a produzir, divulgar e distribuir suas
obras. Somente em 2008, a Amazon comprou a Audible.com, uma empresa de
audiolivros, a AbeBooks, uma espécie de sebo on-line, e a Shelfari, uma rede
social de leitores assíduos. Em abril, adquiriu a Lexcycle, que criou o
Stanza, um aplicativo para a leitura de livros no iPhone. Tem ainda um
programa chamado AmazonEncore. Com base nas vendas do site da companhia, ele
identifica livros com bom potencial de vendas e os imprime numa nova edição.
É uma espécie de caça-talentos cuja peneira é feita eletronicamente. O
Encore, no limite, representa uma nova forma de intermediação entre o
público e a obra, com base em informações fornecidas diretamente pela
audiência.
Fotos Yoshikazu Tsuno/AFP; Divulgação

Pioneiro na cor
O destaque do modelo da Fujitsu
é a tela colorida, apesar do excesso
de reflexos em ambientes claros.
O preço, de 1 000 dólares, é o problema
*Proliferação**
*A Sony (*à dir*.) lançou em agosto três modelos de e-reader
de uma vez. Dois usam tela touch screen. A Coolreaders
(*à esq.*) revende produtos feitos em Taiwan
Coreanos presentes
A Samsung lançou um e-reader em junho,
na Coreia. Ele também funciona como um PDA.
Tem funções como calendário e bloco de notas
Visor tamanho-família
O monitor do modelo da britânica Plastic Logic é o maior da categoria. Ele
tem 27,9 centímetros,
medidos na diagonal



A força da Amazon permite também que a companhia invista a longo prazo.
Criada em 1995, a empresa só saiu do vermelho em 2003. Jeffrey Lindsay,
analista da Sanford C. Bernstein, acredita que a companhia com sede em
Seattle está subsidiando a venda de livros digitais. Ele calcula que, para
conseguir o mesmo valor recebido com a comercialização de um livro
convencional, tem de vender três e-books. A questão é saber quem entre os
concorrentes pode suster tal estratégia por muito tempo. Nos Estados Unidos,
os títulos em formato de bits custam no máximo 9,99 dólares, mesmo os
best-sellers (o preço do produto no papel é de 30 dólares. No Brasil, o
download das versões digitais sairá por 11,99 dólares. Outra vantagem
competitiva monumental da Amazon está na logística. Ela conta com 25 centros
de distribuição de produtos nos Estados Unidos, Reino Unido, China, Japão,
França e Irlanda. Somada, a área desses depósitos equivale a seis estádios
do Maracanã. O movimento dos produtos, assim como máquinas e empilhadeiras,
é orquestrado eletronicamente.

Mas, por mais inovador que o mundo dos novos leitores eletrônicos pareça,
ele ainda engatinha. Os e-readers têm potencial para suceder aos livros
convencionais com impacto semelhante ao da substituição das máquinas de
escrever pelos computadores pessoais. Uma vez em formato digital, não haverá
limite para a narrativa de histórias. A dinâmica dos e-books não precisa
estar amarrada à linearidade e no futuro pode incorporar fotos e vídeos.
Hoje, contudo, as telas mais eficientes dos e-readers reproduzem somente
tons de cinza *(veja
quadro
).* Na prática, os atuais aparelhos estão em estágio de desenvolvimento
equivalente ao dos celulares dos anos 80 – aqueles tijolões com quase 1
quilo. Ainda assim, o momento é propício para avanços nesse campo. O
relatório Reading on the rise (A Leitura em Alta), da National Endowment of
Arts, dos Estados Unidos, mostrou que, pela primeira vez em 25 anos, houve
aumento do número de pessoas que leem livros. Essa parece ser uma tendência
global. No Brasil, a venda de títulos aumentou 5% entre 2007 e 2008. Mas
será que os e-readers vão banir os livros de papel? "A história mostra que
um meio nunca acaba com outro em curto prazo. Os manuscritos prosperaram
depois do surgimento da prensa de Gutenberg. O rádio se reinventou depois da
televisão", disse a VEJA Robert Darnton, diretor da Biblioteca da
Universidade Harvard e autor do recém-lançado *The Case of Books.* É
possível que, agora, os livros digitais agucem a curiosidade de pessoas
antes refratárias à leitura e contribuam para o aumento nas vendas daquele
produto tecnologicamente imbatível, sem bateria, barato e que suporta
quedas... o livro em papel.


Leitura quase perfeita

O primeiro grande salto de qualidade dos livros digitais foi dado no início
da década, quando o monitor desses aparelhos passou a empregar uma espécie
de tinta eletrônica criada pela empresa E Ink – uma companhia que nasceu nos
laboratórios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em
inglês). Esses painéis se transformaram em um padrão para os e-readers.
Equipam quase todos os aparelhos do mercado. Até o surgimento dessa
tecnologia, os leitores eletrônicos usavam tela de cristal líquido (LCD),
como a das TVs. Mas a imagem do LCD é um problema para esse tipo de
dispositivo. Ela é formada por uma luz branca permanentemente acesa no fundo
da tela – a backlight. Esse tipo de recurso prejudica o contraste (a
diferença entre o preto e o branco). Tal deficiência é fatal para um
equipamento que tenta imitar um livro. Para completar, o LCD brilha em
ambientes muito iluminados, tornando inviável a leitura. A tinta eletrônica
faz o contrário: torna-se mais nítida quando submetida a intensa
luminosidade. A primeira versão do display da E Ink, adquirida em junho por
215 milhões de dólares pela taiwanesa Prime View, foi apresentada em 2000.
Dois anos depois, a companhia introduziu um novo modelo com 0,3 milímetro de
espessura. Em 2004, o dispositivo era empregado no primeiro e-reader da
Sony, chamado Librié. Outra vantagem dos monitores da E Ink é que são
flexíveis. Essa peculiaridade fez com que a Telecom Italia criasse em
parceria com a Polymer Vision o protótipo de um celular com tela dobrável,
focado na leitura de textos. Agora, o desafio da empresa com sede em
Cambridge, nos Estados Unidos, é levar a cor aos displays. Isso só deve
ocorrer em dois anos.

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