quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Chegou a hora de acabar com o braile?

Muita tecnologia surgiu para ajudar os cegos. E para questionar o uso de um
sistema que até hoje reinava sozinho.
-- Texto Fredric K. Schroeder

A tecnologia dedicada a ajudar deficientes visuais tem evoluído muito.
Novas ferramentas vêm ampliando o acesso de cegos à informação escrita:
audiolivros, softwares que lêem em voz alta o e-mail que acabou de chegar,
serviços telefônicos que leem o jornal pela manhã. Sem dúvida, uma mão na
roda, que dá mais opções aos cegos. Essas novidades conquistaram espaço.
E, confiando nelas, os cegos estão deixando de ler. Estão apenas ouvindo.
Há deficientes visuais que já aderiram completamente à tecnologia. Alguns
professores de escolas para cegos também não veem mais espaço para o
braile. Tanto que quase 90% das crianças cegas americanas estão
crescendo sem aprender a ler e escrever. Isso é um sinal de progresso?
Devemos celebrar o declínio do braile? É verdade, a tecnologia permite a
absorção rápida de muita informação. O problema é que essas novas ferramentas
oferecem um tipo passivo de leitura. Ao contrário do braile, que permite uma
leitura ativa. Com ele, o cérebro recebe as informações de forma
diferente: além do conteúdo, absorve também as letras, a pontuação, a
estrutura do texto. A falta desse conhecimento pode
prejudicar a formação de alguém. Aconteceu comigo. Perdi parte da visão
aos 7 anos de idade. Aos 16, fiquei completamente cego. Não fui
alfabetizado em braile quando criança, e tive de aprender a ler e escrever
sozinho depois de cego. O aprendizado tardio prejudicou minha educação e
minha confiança. Quando entrei na universidade, não podia soletrar. Sabia
pouco sobre pontuação e regras gramaticais. Fiz um doutorado em
administração da educação, mas a alfabetização limitada foi sempre uma
barreira. Hoje uso muita tecnologia de áudio.
Com ela, posso ler o texto no computador em um ritmo de 250 palavras
por minuto. Com o braille, leio 50 palavras por minuto. Mas a tecnologia é
complicada para reuniões ou palestras. Se preciso ler um discurso que escrevi,
buscar notas no meio de uma apresentação, consultar tabelas, só o
braile evita que eu desvie a atenção do conteúdo principal.
É como para as pessoas que têm visão: rádio e TV são métodos úteis de
conseguir informação, mas não substituem a leitura. Não quero dizer
que a tecnologia de áudio não é importante na vida dos cegos. Ela é.
Mas deficientes visuais necessitam de uma maneira eficiente de ler e
escrever, como todo mundo. Isso significa que precisamos garantir o
acesso a todo tipo de tecnologia que apareça e seja capaz de auxiliar. Sem
esquecer também de trabalhar para manter o braille vivo.

Fredric K. Schroeder é vice-presidente da Federação Nacional
dos Cegos dos EUA. Ele perdeu a visão em decorrência da síndrome de
Stevens-Johnson.

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