domingo, 15 de maio de 2011

A lição dos cotistas médicos da Uerj

A lição dos cotistas médicos da Uerj

Evasão foi irrelevante, ódio racial não apareceu e cotas levaram mais negros e pardos ao curso superior



O PRÓXIMO GRANDE julgamento do Supremo Tribunal Federal poderá ser o da constitucionalidade das cotas nas universidades públicas brasileiras. Já se conhece o voto do ministro-relator, Carlos Ayres Britto, a favor.



Está aí um caso em que a lentidão do Judiciário serviu para limpar o debate, impondo-lhe fatos da realidade. Quando ele começou, em 1999, valia tudo. As cotas seriam uma coisa "escalafobética", medida "para inglês ver". Degradariam as universidades levando-lhes alunos despreparados que não concluiriam os cursos. Pior: abririam as portas para o ódio racial.



Passaram-se 12 anos, 70 das 98 universidades públicas adotaram algum tipo de cota, sobretudo para alunos vindos de escolas públicas. Entre elas, 40 abriram vagas para estudantes descendentes de escravos ou índios. O ódio racial continuou onde sempre esteve, na cabeça de quem o tem.



A repórter Márcia Vieira radiografou a turma de 94 alunos que se formou em Medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Entre eles, há 43 médicos que só chegaram ao curso superior porque a Assembleia Legislativa criou um regime de cotas. Evasão? Quatro para cada grupo.



O apocalipse ficou para outra ocasião. Essa conversa é antiga. Nos debates da Abolição, o visconde de Sinimbu avisava: "brincam com fogo os tais negrófilos". As cotas seriam constrangedoras para os negros. Tudo bem, segundo o romancista José de Alencar, a Lei do Ventre Livre também lhes seria prejudicial, verdadeira "Lei de Herodes".

Como dizia o Visconde de Sinimbu, "a escravidão é conveniente, mesmo em bem ao escravo". Só os cativos e os negrófilos não entendiam isso.



Em alguns casos, como o da Uerj, as universidades cumprem leis estaduais. Em outros, cada uma exerce sua autonomia e desenha a própria política. A maioria das escolas ficou na norma autodeclaratória. Se o jovem se declarou carente e passa férias em Ibiza (como já sucedeu na Uerj), ou se um louro de olhos azuis diz que é pardo, ambos são vigaristas. A política que fraudou nada tem a ver com isso. A exposição pública dos delinquentes e a imposição do risco de expulsão seria bom remédio.



Elio Gaspari, Folha S.Paulo 11/5/2011

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